Enchentes e a responsabilidade do Estado – Ricardo Rose

O melhor Estado é aquele que é controlado pela maioria dos cidadãos. Governos – sejam federais, estaduais e municipais – devem atuar em benefício da maior parte do povo e não para grupos de interesse. Na história do país, no entanto, foi quase sempre isto que aconteceu. Utilizando-se de mecanismos jurídicos, de pressão política, de todo tipo de expedientes ilegais e até da violência, os grupos que detinham o poder econômico e político usaram o Estado e seus instrumentos em benefício próprio. À parte restante da população – a maioria – sobrava a tarefa de participar (obrigatoriamente) das eleições e pagar (quando pudesse) os seus impostos. Como contrapartida, recebia serviços públicos (ensino, saúde, transporte, segurança, etc.) de baixa qualidade – quando não inexistentes.

Dentro deste quadro também se situa a expulsão dos moradores pobres das cidades para as regiões de várzea, desde a segunda metade do século XIX até a década de 1950. Os terrenos localizados nas várzeas dos rios eram mais baratos e por isso podiam acomodar as classes de menor poder aquisitivo. No decorrer dos anos, com o aumento da urbanização, as áreas tomadas aos rios se tornaram cada vez mais densamente povoadas. Ao mesmo tempo, a construção de avenidas, o aterramento de lagoas e brejos e a impermeabilização, fez com que a água da chuva deixasse de penetrar no solo. Em sua corrida por sobre superfícies impermeáveis, a chuva acaba diretamente nos rios, aumentando seu volume e provocando enchentes. As primeiras áreas afetadas durante as chuvas são as baixadas, situadas pertos dos córregos e rios, sujeitas a constantes inundações.

As populações morando nestas áreas sofrem com os alagamentos há dezenas de anos, apesar das obras públicas, aparentemente realizadas para evitar tais catástrofes. É uma situação muito difícil: sujeito a inundações anuais, que destroem móveis e eletrodomésticos; tendo sua própria casa desvalorizada devido às água e sem recursos para se mudar do local; o cidadão vive sem alternativas. Nem companhias de seguros garantem imóveis ou bens localizados nessas áreas de constantes enchentes. Os órgãos públicos também pouco se importavam com a população destas localidades, apesar de no passado ter sido conivente com a construção dos imóveis e a urbanização da área.

Agora o Ministério Público Estadual (MPE) pretende tomar providências em relação a este problema. Autoridades municipais como subprefeitos, secretários e até o prefeito poderão ser processados por improbidade administrativa, caso enchentes voltem a ocorrer em áreas já conhecidas por freqüentes alagamentos. O argumento a ser utilizado é o fato de que no caso da reincidência das enchentes o administrador público não fez o seu dever, seja pelo fato de não haver realizado a obra ou de havê-la efetuado de maneira incorreta, fazendo assim um mau uso do dinheiro público. Neste caso o MPE entrará com uma ação civil pública contra o administrador, solicitando a reparação dos danos materiais e morais dos moradores.

O dinheiro arrecadado pela ação será destinado a um fundo, o Fundo Estadual de Reparação dos Direitos Difusos e Coletivos, que planeja ações antienchentes. O administrador, por outro lado, ficará com sua “ficha suja”, atestando que não resolveu um problema do qual já tinha conhecimento há pelo menos três anos.

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