Como utilizamos os recursos hídricos? – Ricardo Rose

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A água continua sendo o principal tema na questão ambiental. Sem a disponibilidade deste líquido em quantidade suficiente, a vida é impossível. Evidentemente, estamos falando o óbvio. No entanto, esse elemento essencial à vida, ainda continua a ser explorado e utilizado de maneira a se tornar cada vez mais escasso; pelo menos em seu estado natural, a água pura.

O descaso com os recursos hídricos são tratados no país, tem muito a ver com nossa cultura. Até a pouco menos de 100 anos, o Brasil praticamente não tinha cidades grandes. Em 1910, havia apenas nove cidades com mais de 100 mil habitantes. Dentre estas, as maiores eram Rio de Janeiro, com pouco mais de 870 mil; São Paulo, com 346 mil; Salvador com 318 mil; e Belém, com quase 271 mil. Todas elas, portanto, cidades de médio porte; três das quais (Rio de Janeiro, Salvador e Belém) localizadas à beira do mar e de um grande rio – uma localização estratégica para desaguar esgoto doméstico sem grandes exigências de tratamento biológico.

Outro fator que influenciou nossa maneira parcial de ver a questão do saneamento foi o relativo atraso com que a visão ecológica sobre o tema se fundamentou. Até a pouco, a disponibilidade de água e o tratamento dos esgotos, eram questões da engenharia civil e sanitária, quando muito assessoradas pela geologia. Biólogos, ecólogos e engenheiros ambientais, não eram envolvidos na questão – mesmo porque tais profissões ainda eram escassas no mercado de trabalho. Sendo assim, a água era simplesmente tratada como um recurso – um insumo similar aos minérios –, que era preciso identificar e explorar com obras de engenharia. Os impactos destes projetos sobre os ecossistemas não eram levados em consideração.

O descaso com que hoje o país ainda trata seus recursos hídricos tem suas origens na maneira como a sociedade – principalmente seus administradores – via o problema. Desde o descobrimento até o início do século XX, a questão dos efluentes não existia na quase totalidade das cidades; o esgoto era simplesmente descarregado em rios das imediações, e com isto desaparecia. Prática milenar, trazida da Europa pelos portugueses, era a maneira mais simples e econômica de resolver o problema. Mesmo as grandes metrópoles, por muito tempo ainda usaram em parte este expediente – o esgoto ainda hoje descarregado na baía de Guanabara ou no rio Tietê é prova desta prática. A partir da década de 1940, com o gradual aumento dos investimentos em obras de saneamento – até porque a população urbana crescia rapidamente – passou a vigorar a visão de que a água era um insumo a ser disponibilizado. Já o esgoto era resíduo, cujos custos de tratamento eram evitados, já que as verbas eram curtas e sempre havia o rio ou mar para recebê-lo.

Em parte, até hoje, ainda não saímos deste impasse: garantido o acesso à água, posterga-se os serviços de tratamento de esgoto – mesmo que à custa dos rios e dos ecossistemas. Atualmente, no entanto, o esgoto doméstico se tornou o maior poluidor dos recursos hídricos. Nas administrações públicas, todavia, o saneamento continua a ser um tema tratado na seguinte sequência: 1) pressão política; 2) recursos; 3) obra de engenharia. A visão ecológica, abrangente, procurando diminuir ao máximo o impacto das atividades sobre o meio ambiente, ainda é inexistente.

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